terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Felisa Perez - Comentário ao debate com Stela Barbieri e Ricardo Jacinto

Relato do debate com Stela Barbieri e Ricardo Jacinto. Moderação: Celso Martins
15.12. 16h15
Os dados estavam lançados. A mesa aguardava. O público atento.
Celso Martins questiona Stela Barbieri e Ricardo Jacinto sobre a relação entre Arte e Erro e como a “mediação”, de certa forma, pode estar no meio deste processo.
Celso Martins faz um breve enquadramento sobre como tratar o erro na contemporaneidade, visto que depois do século XIX, com as vanguardas, os artistas deixaram de seguir cânones para entrar em ruptura, transgredir. Será que a partir daqui o erro ganhou um novo sentido? Deu uma espessura heróica à arte da diferença? Há regras na arte contemporânea ou vale tudo? Como detectar o erro? Contra que norma uma obra pode estar errada? A ausência de erros é ausência de limites? O artista ficou “desamparado” por não haver um cânone? O artista pode errar sem saber porquê?
Ricardo Jacinto: A questão do erro é fundamental no processo criativo porque, de certa forma, existe uma aparente liberdade, onde qualquer coisa vale. Mas existe algo paradoxal: como nos reconhecemos no nosso trajecto, enquanto pessoas e no nosso trabalho. Reconhecemos o erro? Identifico e vejo como um erro se transforma em atrito. O erro serve como instante, é algo inesperado, obriga-te a afastares-te um bocadinho e veres o problema/questão que estás a tratar. Trabalho isso enquanto músico. Quando tocas um instrumento deparas-te sempre com os limites das tuas capacidades. Nos momentos de improvisação a questão do erro não se coloca. Aí é um beco. Até podemos provocar essa situação descontrolada e em que tens que lidar com isso. Isso acontece propositadamente.
Celso Martins: Introduzes isso? O erro pode ser uma possibilidade de variação?
Ricardo Jacinto: Pode. Pode acontecer se tiveres um grupo de pessoas que esteja a fazer improvisação e dás uma nova vida a isso.
Stela Barbieri: Na improvisação também tem margem de erro. E para mim a arte contemporânea também tem regras. São regras internas.
Celso Martins: Mas se cada um tem as suas regras internas, então não há regras.
Stela Barbieri: O erro, no meu trabalho, enquanto artista, tem parâmetros, existem regras internas, não estão socialmente estabelecidas. Cada artista tem as suas regras, dentro da sua poética.
Celso Martins: O erro pode ser detectado em função do resultado? A forma ou coisa em que aquilo resultou pode dizer-me que errei com o meu trabalho?
Stela Barbieri: Isso é da ordem do corpo e da mente. Cada situação tem alguns parâmetros, mas é também corpo. É uma percepção. De um som que não soa bem. Às vezes detecta-se no processo. A medida disso é a medida da nossa percepção. É subjectiva e objectiva ao mesmo tempo porque cada um tem o seu objectivo.
Celso Martins: A visão romântica da arte pressupõe que o público quase não intervém no processo. O artista pode desenvolver o seu processo sem pensar no público?
Ricardo Jacinto: É difícil. Depende desse conceito porque o público é muito diverso. Mas consegues identificar contextos. Conseguimos perceber que num determinado sítio as pessoas andam de determinada maneira, por isso vamos trabalhar com isso. O que tem valor é o contacto do público com determinado objecto, é o tipo de relação que cria com isso, o que constrói ao lidar com determinado objecto. O público é o objectivo do que se está a construir. Por exemplo, se eu fizer uma obra para uma pessoa, é para ela. No meu caso tento perceber bem se há alguma norma para o sítio para onde crio a obra. Mas interessa-me mais que um trabalho possa passar por vários sítios porque quando essa obra vai para outro lugar tem outra apropriação. Já consegui, por exemplo, que pessoas que não têm nada a ver com o mundo da arte se relacionassem com o meu trabalho.
Stela Barbieri: Não penso no público quando faço arte, embora trabalhe com público. Para mim todas as acções são criação. Fazer educação também é fazer trabalho de criação. Curadoria também, escrever um texto para um jornal também. Não penso na especificidade do público, faço o que senti naquele momento. Não se deve categorizar os públicos. Cada um de nós é diferente. É singular cada pessoa que visita o museu. As obras também diferem na relação com o espaço. Não precisa se preocupar com o público, eles são capazes de se relacionar com qualquer coisa, com o mundo.
Celso Martins: Stela, qual é o maior erro que se pode cometer em mediação?
Stela Barbieri: É você não estar presente. É você fazer automaticamente ou você não se preparar. Tem que estar presente, de corpo e alma. Estar para a vida. O maior erro é não estar presente.
Celso Martins: A arte contemporânea com a sua multiplicidade de formas põe um problema acrescido a essa mediação?
Stela Barbieri: Eu teria mais problema com arte sacra. Nunca trabalhei num museu histórico. Num museu histórico você tem que tornar um trabalho histórico contemporâneo.
Ricardo Jacinto: É articular a presença com o processo criativo e a vida, a relação com as próprias obras?! E esse reconhecimento vem. Quanto mais aquele objecto tiver mistério, capacidade de resistir, para mim, mais certo ele está. Mais convicção tenho daquilo merecer ganhar uma convivência com pessoas, espaços… A questão reside em como articular o erro com o controle. Concordo com a Stela relativamente à presença. Há peças que fazes que antes de serem colocadas já estão mortas, mas às vezes as pessoas ressuscitam-nas. Depende muito do envolvimento. Envolveres-te com esse acto para a coisa não se esvaziar.
Celso Martins: Ricardo, tens trabalhado com várias pessoas. Como vives/tratas essa questão?
Ricardo Jacinto: Isso é a parte importante de colaborar. Quem gosta de viver esse conflito latente. Tens que gostar de te relacionar com os outros, tens que articular. Tudo o que nasce de uma colaboração, nasce disso. Depende das equipas, depende das pessoas.
Celso Martins: Isso mata?
Ricardo Jacinto: Às vezes mata.
Celso Martins: Viver no conflito pode matar o trabalho?
Ricardo Jacinto: Sim, pode.
Do público, Jackson Ribeiro (Brasil) conta uma história de uma escultura intitulada “Porteiro do Inferno” e toda a polémica que a escultura causou pelo seu nome. O nome da peça ganhou um significado. Antes de se saber o seu nome passava despercebida, mas quando as pessoas souberam o nome e a viram colocada perto da Igreja, ninguém a queria lá. Gerou uma grande polémica que envolveu os media. Então, até que ponto tem erro ou acerto nesse processo?
Celso Martins: Nesse caso, o público fez a peça e a peça foi activada pelo público.
Da plateia uma pessoa intervém e considera que o público se ligou a uma coisa muito mais forte que o objecto. Onde cabe isso? Onde está o erro se as pessoas consomem arte? E será que há erro nisso?
Celso Martins: O objecto traz a ideia, as pessoas fugiam da peça porque ela tinha o diabo dentro dela, uma peça numa sala não existe como obra se as pessoas não a virem. No lugar certo, o “Porteiro do Inferno” acendeu qualquer coisa. Uma obra de arte transporta uma ressonância.

E o tempo para o debate acabou.

Felisa Perez


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